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Deixa eu falar

Sábias e sinceras, crianças de 3 a 6 anos assumem a palavra no livro “Deixa eu falar!” (2010). Seus desejos, necessidades e dificuldades são dicas valiosas para os adultos responsáveis por garantir os direitos desses pequenos cidadãos.

Produzido pelo CECIP, o livro é uma iniciativa da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), que reúne entidades públicas e civis de todo o Brasil. Em 2010, a RNPI lançou o Plano Nacional pela Primeira Infância, uma agenda de reivindicações para que crianças de até 6 anos sejam respeitadas em seus direitos assegurados pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Em “Deixa eu falar!”, é a vez das próprias crianças se expressarem sobre suas condições de vida: o que é bom, o que é ruim, o que faz bem, o que falta. “Eu brinco porque me deixa feliz”, diz uma delas, demarcando, na obviedade imediata do prazer infantil, a atividade primordial para a saúde dos pequenos (muitas vezes negligenciada): simplesmente se divertir.

E como é difícil se divertir numa sociedade excludente, desigual e que não enxerga a criança. O ambiente comunitário nem sempre é favorável: “Não tem nada fora de casa para brincar”. Morar mal repercute nas relações familiares. “Eu moro lá em cima, no morro. Eu não fico cansado de subir. Eu vou pulando e contando os degraus. Ah, também eu inventei uma brincadeira de pular de dois em dois. A minha mãe é que fica muito cansada. Eu não gosto quando ela fica cansada. Ela fica triste”.

A educação muitas vezes deixa de fora o que poderia ter de melhor: “Eu preferia não ter que ir mais na escola. A gente aprende com brinquedos, com amigos, com jogos, com a vida”. Também nas demandas de saúde, é a lembrança do óbvio que nos ensina: “Tem que ter ambulância também para buscar mulher grávida”.

Na TV, o que veem é inadequado – “Na novela só passa beijação” – e são tratadas como consumidoras: “Eu pedi para minha mãe comprar a boneca da televisão. Ela disse que não tinha dinheiro. Eu falei para dar um cheque pré-datado”.

Assim, a ideia de cidadania se fragiliza desde cedo, na prática. “Não tenho certidão porque minha mãe não comprou”.

Ao reunir e publicar essas “obviedades”, vindas de um público para o qual a sociedade e o governo nunca dão ouvidos, o livro “Deixa eu falar!” presta um serviço raro e essencial. Aos senhores formuladores de políticas públicas, o recado da primeira infância é cristalino: o que é bom é bom, o que é ruim é ruim. “Quem tem um amigo é muito feliz” e “Não gosto de apanhar porque dói”.

Por que será que é tão difícil aprendermos com eles?

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