SOBRE O COMPROMISSO COM A SAÚDE MENTAL DAS BRASILEIRAS E DOS BRASILEIROS:
Uma contribuição das instituições e organizações que compõem a Rede Nacional Primeira Infância (RNPI) ao debate e à condução técnico-política da Pasta da Saúde, em questões vinculadas à Saúde Mental da população.
Carta aberta ao Exmo. Sr. Ministro da Saúde, Dr. Marcelo Castro
Prezado Ministro,
A Rede Nacional Primeira Infância é uma articulação de Organizações da Sociedade Civil, do Governo, do Setor Privado, de outras Redes e de Organizações Multilaterais que atuam na promoção da Primeira Infância e têm como missão a defesa e a promoção dos direitos da criança pequena, de até 6 anos de idade.
Em observância a questões levantadas e aos questionamentos e posicionamentos recebidos por seus componentes e às ponderações do Grupo de Trabalho em Saúde, a RNPI vem expressar-lhe, Dr. Marcelo Castro, sua profunda preocupação com as decisões tomadas no âmbito da Saúde Mental, expressas pelo senhor em matéria publicada no Jornal O Globo de 12/1/2016, com o título de “Compromisso com a Saúde Mental”.
Em seu artigo, o senhor defende a nomeação do Dr. Valencius Wurth Duarte Filho para o cargo de Coordenador Geral da Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. É de amplo conhecimento público que se trata de um médico psiquiatra que foi diretor da Casa de Saúde Dr. Eiras, em Paracambi, Estado do Rio de Janeiro, entre 1993 e 1998. A Casa de Saúde Dr. Eiras era, então, o maior hospital psiquiátrico privado da América Latina.
O Dr. Valencius Wurth Duarte Filho deixou o cargo pouco antes de o Ministério Público do Rio de Janeiro determinar a reorientação da assistência psiquiátrica no Estado. Em 2000, o relatório da I Caravana Nacional de Direitos Humanos constatou gravíssimas violações naquele Hospital Psiquiátrico. Tipicamente praticadas em grandes instituições de modelo manicomial, essas violações dos direitos humanos consistiam na prática sistemática de eletroconvulsoterapia, na ausência de roupas nos pacientes, em instalações inadequadas, na alimentação insuficiente e de má qualidade e no significativo número de pessoas em regime de internação de longa permanência.
Este currículo, esta prática e esta visão não recomendam o Dr Valencius Wurth Duarte Filho para dar continuidade às conquistas realizadas em nosso país pelo Movimento de Reforma Sanitária, com a construção de uma política pública da qualidade do Sistema Único de Saúde. O SUS compreende os avanços que vêm sendo obtidos no campo da saúde mental, com a Reforma Psiquiátrica.
O posicionamento da RNPI nesta oportunidade destaca assim o que a Organização Mundial da Saúde – OMS- já proclamava em meados do século passado: Não existe Saúde sem Saúde Mental.
Uma lembrança mais que oportuna, pois trazida para o campo da Saúde pública brasileira contemporânea, essa afirmativa sintetiza este enorme esforço realizado em nosso país nas últimas décadas e que expressa a urgência na recuperação da cidadania daqueles que, por transtornos sofridos, foram apartados de seu meio, despersonalizados, maltratados e torturados, como aconteceu no hospital dirigido pelo Dr. Valencius Wurth Duarte Filho.
A condução técnica dessa recuperação, metodologia reconhecida nacional e internacionalmente, faz aflorar conflitos de interesse. Trabalhar Por Uma Sociedade sem Manicômios coloca a nu, em contraste, os valores de interesses puramente econômicos e os valores humanos, civilizatórios.
A Reforma Psiquiátrica vai, portanto, muito além do necessário enfrentamento à medicalização infundada, aos procedimentos invasivos ou ao vergonhoso encarceramento por interesses comerciais. A reforma que deve ser implementada é a da construção de uma cidadania plena, de pessoas criativas, confiantes, integradas e articuladas com a melhoria de seu meio social. A saúde mental também significa cidadãos e cidadãs socialmente saudáveis.
Alertamos para a imperiosa necessidade de especial cuidado na atenção integral às crianças pequenas, nos moldes aconselhados pelo Plano Nacional pela Primeira Infância, elaborado com ampla participação social pela RNPI, e adotado pelo CONANDA como política pública. Podemos exemplificar esta preocupação quando vivemos a medicalização abusiva de crianças pequenas sob vários pretextos e interesses passando ao largo de indicações clínicas criteriosas.
A Rede Nacional Primeira Infância se propõe a colaborar, através de suas instituições-membro, distribuídas em todo o território nacional, com propostas que este Ministério poderá implementar. Estas propostas são fruto de imenso trabalho, acumulado ao longo de décadas, no campo da saúde mental. Esta experiência, amplamente reconhecida, está à sua disposição.
Acolheremos com o máximo respeito e consideração o seu ato de reflexão, Exmo. Sr. Ministro, ao decidir-se por outra indicação, mais adequada à continuação de uma luta reconhecida e aplaudida nacional e internacionalmente. Certos de que sua atitude o engrandecerá aos olhos de todos, nos subscrevemos,
Cordialmente,
Claudius Ceccon
Coordenador da Secretaria Executiva da Rede Nacional Primeira Infância
Liliana Lugarino e Liliane Penello
Coordenadoras do Grupo de Trabalho em Saúde