O último dia de aula antes das férias da escola Oi Kabum! teve um convidado ansiosamente aguardado pelos jovens alunos: o cineasta Eduardo Coutinho. E a expectativa se justificou plenamente. Houve espaço para gargalhadas, perplexidade e preocupação, em um passeio por quase 24 horas da programação televisiva brasileira dos canais abertos. Ao conversar com os jovens, Coutinho mostrou por que é um dos mais sensíveis e críticos pensadores da cultura nacional, e da nossa mídia em particular.Qualquer um que se proponha a assistir à TV aberta constatará facilmente a pobreza de opções e o círculo vicioso temático do qual parece impossível escapar. Fica a impressão de que a cultura brasileira se restringe a quatro motes: obsessão pela estética (especialmente a feminina), espetacularização da violência urbana, evangelização e televendas. Entrementes, pitadas de novela e jornalismo – mas muitas vezes reforçando aqueles mesmos valores e estereótipos. “A mulher é vendida como um pedaço de carne”, espanta-se Coutinho, que também se surpreende ao constatar que o público feminino não parece se sentir ofendido com a forma como é retratado na TV. É um festival de bundas e seios e lipoaspirações e erotismo como veículos para a dramatização fácil, a promoção de “celebridades” e a venda de todo e qualquer produto.
Deparar-se com um comercial estrelado por conhecida apresentadora-mirim fez o documentarista soltar uma definição provocadora: “Criança vendendo produto para criança é pedofilia” — o que nos convoca a todos para uma reflexão a respeito da falta de limites da cultura consumista. Vale tudo? O “mundo-cão” dá Ibope. Entre os programas mais assistidos da TV aberta estão os pseudo-jornalísticos que exploram a miséria humana e utilizam-se da violência urbana como um convite à catarse, protagonizada por apresentadores-justiceiros (Ratinho, Wagner Montes e tantos outros). Eduardo Coutinho chamou a atenção para o incrível caso do deputado estadual Wallace Souza, do Amazonas, que foi cassado quando se descobriu que encomendava crimes para que pudesse exibi-los com exclusividade em seu programa sensacionalista. “Alguém precisa escrever um roteiro ficcional sobre esse caso”, comentou.
A política de concessões de canais de rádio e TV foi criticada pelo documentarista, que lembrou que as retransmissoras de mídia estão nas mãos dos poderosos locais e desafiou o público a tentar se lembrar de um único caso de cassação da outorga de transmissão. “O conteúdo da TV aberta precisa cumprir funções de entretenimento ou jornalismo. Jamais poderia ser revendido para igrejas ou televendas”, criticou. Por outro lado, Coutinho considera inútil o hábito das pessoas “esclarecidas” de simplesmente desqualificar a programação. “Dizer que a TV aberta é um horror é dizer que o povo é um horror. O que precisamos é entender por que as pessoas assistem, o que as atrai”, ponderou.
Ou seja, o grosso dos programas é ruim em qualquer lugar do mundo. A questão é: por que as pessoas gostam? E mais do que isso: que valores sociais estão ali retratados e aprovados? A TV brasileira é a cara do Brasil. É preciso observá-los para compreendê-los. E, quem sabe, ajudar a transformá-los.